Sendo uma das principais propostas do projeto Buscando Coroa, pesquisar e encontrar antigos materiais é um tanto trabalhoso. Primeiro, porque muitos destes materiais são praticamente inacessíveis. Segundo, porque quando encontrados nem sempre eles apresentam as condições ideais para manuseio e "degustação" física. Entretanto, as informações que eles nos trazem, quando interpretadas, são de valor inestimado. É preciso, primeiramente, entender o contexto da época em que o autor dessas informações (livros, artigos, fotos, gravações áudiovisuais, registros em geral, etc.) viveu, pois isso pode dizer um tanto sobre a linguagem por ele abordada e os conceitos trazidos. Também precisamos entender a dificuldade logística, e nisso incluo acesso, transporte e equipamentos, passada para as vivências e registros.
Estas leituras, aqui especificamente as dos escritos de Dante de Laytano, são por nós avaliadas e nos trazem vários questionamentos, dúvidas e comparações. Acompanhamos as festas de Nossa Senhora do Rosário desde o ano de 2001, há dez anos atrás, e possuímos vasto acerto, aumentado em virtude do apoio da FUNARTE, e conseguimos estabelecer paralelos e entender algumas das várias "mudanças" que o grupo vem passando ao longo de toda a sua trajetória. Nem toda a mudança é satisfatória, às vezes providencial, mas fazem parte da dinâmica de grupos, do ser humando e, não aceitá-las seria negar o tempo.
Recentemente, em conversa na cozinha da casa de Francisca Dias, presidente da Associação Religiosa e Cultural Maçambique de Osório e filha da Rainha Ginga Severina Dias, falávamos exatamente sobre estes processos. Alguns, se dão de forma orgânica. Outros, por imposição, talvez necessidade. Interessa, também, que motivos às vezes não faltam para mudanças. Porém, nem sempre é possível que o grupo aceite estas possíveis mudanças de forma passiva e eles mesmos se tornam resistentes para a manutenção de suas tradições. Os seus integrantes envelhecem, alguns vão morar na capital, os jovens se tornam pais muito cedo, o tecido antes usado já não é mais encontrado.
Nessa mesma ocasião estava presente Faustino Antônio, Chefe de Tambor do Maçambique de Osório e um dos principais articuladores junto aos jovens. Lembro que ele me pediu para que tentasse encontrar em Porto Alegre os quepes militares - da marinha - que eles usam (Faustino e os dois Capitães de Espada), pois eles não tinham mais estes chapéus em posse, apenas um, já desgastado pelo uso. Nas fotos que veremos a seguir, presentes no livro de Dante de Laytano, tais quepes aparecem de forma mínima. Conheço também uma história, e nunca confirmei com eles a veracidade da mesma, que uma das espadas usada atualmente pelos Capitães de Espada foi presenteada por um policial da cidade de Osório. Tal policial, hoje falecido, é pai de uma amiga e nunca tive a oportunidade de conversar com ele sobre.
Oralidade, memórias, envelhecimento, lembranças, mudanças climáticas, industrialização, mecanização das lavouras. Expoentes cruciais para boa parte das mudanças que, inegavelmente, acontecem e são, de certa forma, fundamentais para que os grupos se mantenham vivos e sejam interesse da comunidade ao redor. Entre todas as manifestações e grupos tradicionais por nós já vistos, dá para sentir um orgulho gigante dos jovens que fazem parte do Maçambique de Osório, basicamente como dançantes: eles gostam e se entregam ao grupo quando de suas atividades e realizações.
Abaixo, algumas das fotos anexas ao livro de Dante de Laytano. Pena não estarem em uma boa qualidade, e as imagens que aqui estão são fotos das fotos, pois o livro que possuímos em nosso acervo já está desgastado, não sendo possível cópias, scaneamento ou algum outro tipo de recurso. Em algumas das fotos utilizamos de tratamento básico digital, para que ao menos seja possível a compreensão do que queremos mostrar.
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À porta da igrejam o "Capitão", depois de entrar a bandeira, comanda outros movimentos da Congada. |
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Espadas cruzadas para entrada da Côrte. |
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Entrada do rei do Congo. |
Essas três primeiras fotos mostram algo que já evidenciamos aqui antes: o cruzar de espadas para a passagem do grupo em entradas/saídas de ambientes fechados. Chamo atenção para os ornamentos de cabeça presente nestas fotos. Os dançantes usando chapéus aparentemente de papel, em formato de coroa - também - e com penas, o que, talvez, seja influência indígena; o quepe; e coroa da Rainha, há muito substituída. Outro dado importante é a presença de roupas escuras, algo hoje impensável, pois a "Roupa da Santa", terminologia correta para o figurino (este um termo pejorativo) deve ser branca.
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Um "soldado". |
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Capitão da Congada. |
Na foto mais acima, a pena suspensa no chapéu (alguém sabe como esse tipo de chapéu chama?). Abaixo, um dos Capitães-de-Espada em suas vestes escuras.
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Os reis e as rainhas, porta-estandarte, alferes e pagens diante do altar. |
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O Altar de N. Sra. do Rosário com a coroa do Festeiro e o Guarda. |
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Devoção de Na. Sra. do Rosário. Os reis e as rainhas e mais dignidades ao lado do altar. Os soldados ou dansantes de pés descalços. |
Na primeira foto desta sequência, percebe-se o uso da coroa por parte dos reis e dos festeiros. Por algum motivo talvez só sabido na época, as coroas dos festeiros sugerem uma importância visual maior que a dos reis. Atualmente, somente a Rainha Ginga e o Rei de Congo usam coroas. Os dançantes, ajoelhados em direção aos reis, já se fazem número equivalente ao dos dias atuais.
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O "tambor" acompanha o solista. Repare-se o avental. |
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O "tambor" inicia a saída do terno. |
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Cenas das Congadas, em marcha. |
Nesta sequência já é possível visualizar o antigo avental usado pelos dançantes, maior do que o atual. Na primeira foto, o tamboreiro, aparentemente não um dançante que naquele momento tocava tambor - embora isso seja feito até os dias atuais - toca tambor também descalço. A última foto traz uma imagem e significância muito importante: a bandeira de Nossa Senhora do Rosário está aberta, o que hoje não acontece e não é aceito pelo grupo.
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Rei da Festa (Festeiro). |
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Rainha da Festa (Festeira). |
Festeiros e suas imponentes coroas.
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Rainha Ginga. |
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Rei do Congo. |
Reis e suas coroas diminutas, quando comparadas com as dos festeiros.
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Evoluções coreográficas. |
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Evoluções coreográficas. |
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Evoluções coreográficas. |
Nestas fotos é possível analisar algumas evoluções nas coreografias dos dançantes, assim como os outros pontos já levantados anteriormente. Sei, através da oralidade, que a dança, hoje, apresenta algumas leves alterações da forma como era dançada em um passado não tão distante. Dizem, os próprios maçambiqueiros, que a dança hoje está mais acelerada, frenética (termo meu, de acordo com meu entendimento), e que antigamente ela era mais cadenciada, sensual. Neste conjunto de fotos também é possível ver guardas-chuva (sombrinhas), segurados pelos pajens da Rainha Ginga e do Rei de Congo. Este utensílio é muito usado em manifestações do congado brasileiro, inclusive nos maracatus pernambucados, nos quais são mais ricos e cheios de detalhe, sendo chamados por pálio. Tem a função de proteger os reis das possibilidades do tempo, assim como para demonstrar ao público suas realezas e reinados. Nos últimos anos, por falta de pessoas para a função de pajen, não está sendo mais utilizado.
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